No corredor do casarão, minha mãe
tinha três andorinhas de porcelana azul-marinho com biquinhos dourados que
pareciam voar na cor desmaiada da parede. A maior embaixo e a menor puxando o
bando, dava a sensação de afastamento. Eu perguntava para onde iam se nunca
chegavam, mas ninguém respondia. Um dia, irritada, minha tia falou: “guria,
isso é só um enfeite, nunca irão a lugar algum”.
Pior era meu pai que tinha um viveiro
de canários e exibia aos amigos. Toda manhã, bem cedinho, seus “detentos”
cantavam. Ele os alimentava com gema de ovo, folhas de alface, rodelas de
laranja e alpiste. Vendo a cena, eu resmungava: “de que adianta tanto cuidado
se limita o espaço?”. Enquanto ele
argumentava sobre não saberem viver fora do cativeiro, minha mão coçava no ferrolho
das gaiolas. Imaginava a revoada varanda afora se as abrisse só por um
instante. Ante suas ameaças, minha rebeldia recuava.
Tantas vezes me senti como
aqueles pássaros ou indo a lugar nenhum feito as andorinhas de porcelana da
minha mãe. Sonhei com asas para o outro lado, distante da frieza imperturbável das
grades; do céu de mentira no vazio acinzentado das paredes. E quem voou foi
tempo. O casarão continua lá, eterno cativeiro a enfeitar a esquina; eco de
ensinamentos que me serve de bagagem. Quando bate a saudade, assaltada de
incertezas, me voltam os canários. Pergunto-me se aprendi a viver. Ninguém
responde. De longe, irritada como sempre, a voz da minha tia: “guria, isso é coisa
que se pergunte?”.
M.Cendón
M.Cendón