domingo, 1 de maio de 2016

Consuelo

Um pássaro de isopor tremulava preso a um fio de nylon no teto da varanda. Sobre o muro, uma flor de plástico num vaso de barro. Os adornos tinham sido colocados ali por Isolda, a diarista de confiança a quem ele dera certas liberdades. “Esta casa precisa de vida, seu Aroldo”.

Aroldo deteve-se ao movimento circular do falso pássaro, depois desviou para o objeto imóvel em formato de rosa que sequer poderia ser colhido, mesmo em face do maior enlevo. Só Isolda, com sua visão curta, enxergava vida naquelas inutilidades.

Debruçou-se no parapeito do terraço, acendeu um cigarro e contemplou a cidade. O traçado disforme das ruas lembrava o tapete persa que dera à Isabel nos dez anos de casados. E foi por uma delas que andou até a praia, ao lado de Consuelo. Olharam vitrines, compraram bobagens, voltaram satisfeitos e ela preparou o jantar. No meio da noite, o perfume dela misturou-se à maresia e o arrancou do sono. Suado, boca seca, mãos tateando em busca de aconchego no pano ralo da camisola.

A voz aguda de Isolda, ao despedir-se, trouxe Aroldo de volta ao terraço. O olhar para além das luzes já acesas na Avenida Pernambuco, a brasa do cigarro a queimar os dedos, um gosto estranho, uma sede insuportável. Ainda podia sentir Consuelo por perto, embora mal a conhecesse e jamais a tivesse tocado. Seus olhos tristes sorriam para ele feito promessa. E naquele espaço de poucos metros, viu o falso pássaro e a flor de plástico repartirem com Isabel o vento de outono.


Sim. Era preciso um sopro de vida na casa.  


M.Cendón