segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Será que chove hoje?

Toda vez que encontro meu vizinho de oitenta e tantos anos, ele pergunta: “como o calor está lhe tratando?” e eu respondo: “bem, seu justino. O calor sempre me trata bem”. E logo ele engata um “enfarruscou lá pras bandas do Uruguai, quem sabe chova ainda hoje” – mesmo que o sol esteja rachando. Nas outras estações, a mesma pergunta e a mesma resposta. Não fosse isso, talvez ele não encontrasse o caminho para uma abordagem e oportunidade de contar-me histórias dos tempos de antigamente que os parentes já não têm paciência de ouvir. Se existe algo tão infalível para puxar conversa, eu desconheço. Fala-se do clima em filas de bancos, pontos de ônibus, táxis, salas de espera e até no boteco onde compro cigarros. Lugar comum na falta de assunto e um meio poderoso de fazer contato com quem sequer precisamos saber o nome. É simples e todos sentem na pele. Comigo sempre funciona. Na falta de coisa melhor, escrevo sobre o tempo e seus destemperos; ventos escabelando árvores, alvoroço de passarinhos antes da tempestade, chuva fina na vidraça, o calor de janeiro. Queria ser como seu justino e ter sempre histórias bonitas dos tempos de antigamente, mas às vezes falta-me “el hilo de la madeja” no encontro das palavras. Nessas horas, abro a janela, espicho a vista pelas lonjuras e pergunto a mim mesma: “será que chove hoje?”.


M.Cendón