Toda vez que encontro meu vizinho
de oitenta e tantos anos, ele pergunta: “como o calor está lhe tratando?” e eu respondo:
“bem, seu justino. O calor sempre me trata bem”. E logo ele engata um
“enfarruscou lá pras bandas do Uruguai, quem sabe chova ainda hoje” – mesmo que
o sol esteja rachando. Nas outras estações, a mesma pergunta e a mesma
resposta. Não fosse isso, talvez ele não encontrasse o caminho para uma
abordagem e oportunidade de contar-me histórias dos tempos de antigamente que
os parentes já não têm paciência de ouvir. Se existe algo tão infalível para
puxar conversa, eu desconheço. Fala-se do clima em filas de bancos, pontos de
ônibus, táxis, salas de espera e até no boteco onde compro cigarros. Lugar
comum na falta de assunto e um meio poderoso de fazer contato com quem sequer
precisamos saber o nome. É simples e todos sentem na pele. Comigo sempre
funciona. Na falta de coisa melhor, escrevo sobre o tempo e seus destemperos;
ventos escabelando árvores, alvoroço de passarinhos antes da tempestade, chuva fina
na vidraça, o calor de janeiro. Queria ser como seu justino e ter sempre
histórias bonitas dos tempos de antigamente, mas às vezes falta-me “el hilo de
la madeja” no encontro das palavras. Nessas horas, abro a janela, espicho a
vista pelas lonjuras e pergunto a mim mesma: “será que chove hoje?”.
M.Cendón
M.Cendón