Muito
gentil a mocinha da loja perguntou: “a senhora está procurando alguma coisa especial?” – olhei para os
dois lados e para trás. Ninguém. Não tinha engano, “senhora” era comigo. Num
primeiro momento pensei em sair e entrar de novo. Depois, em sair e nunca mais
voltar. Pensei até em dizer uns desaforos, mas não fiz nada disso. Apenas
retribuí o sorriso e, com a voz abafada, respondi: “Só estou dando uma
olhadinha, se precisar eu chamo”. Foi
tudo que me ocorreu. Precisava ficar sozinha para recuperar o fôlego e engolir o
que acabara de deixar por terra a visão que eu tinha de mim até então. Minhas
pernas pesaram, meus braços caíram, e minha imagem encolheu-se diante do enorme
espelho da loja. “Senhora”, eu?! Estabeleceu-se ali um impasse e minha
identidade corria sério risco de esvair-se pelo ralo das indagações. Imediatamente
trouxe à memória situações semelhantes relatadas por amigas e em duas ou três
crônicas sobre o mesmo assunto que havia lido tempos atrás. Na ocasião me
pareceu um descabimento. Ora, tanto drama por uma bobagem! Sempre achei que tiraria
de letra quando chegasse minha vez. Não foi bem assim. Aquilo mexeu com algo
para o qual eu ainda não estava preparada e ouvir dirigido a mim foi bizarro. Sai
disfarçadamente sem comprar nada e fiquei andando pelas ruas para assimilar o
trem que acabara de me atropelar conduzido por uma guria que sequer tinha noção
do que causara. Mais tarde e já mais calma, entrei num café, chamei o garçom e,
antes que ele abrisse a boca pra me chamar por aquela palavra sórdida, fui logo
pedindo: “moço, por favor, um carioca duplo”. De moço ele não tinha nada. E,
juro, minha vontade foi de pedir uma vodca.
(publicado no Jornal Momento de Uruguaiana)
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