sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O vazio ao lado


Mortas as palavras, garganta seca, restava esperar que a escuridão os conduzisse ao sono. Era quase verão e a desesperança tinha atravessado três estações para chegar ao limite do cansaço. E sendo a realidade das faces comprometedora e demasiado fria, deram-se as costas para o equilíbrio da estranha balança que os sustentava. Já não eram senão o vulto opaco que o tempo tatuara na memória; um copo pela boca à espera da última gota. E o silêncio, a pesar sobre os pesares.
Mas naquela noite, instante suspenso de uma tormenta, algo incomum atravessou os anteparos. Desvelada, a dormência se fez movimento e em busca de trégua, navegou os lençóis. O coração disparou, faltou o ar, sumiu o chão. E como náufragos, boiaram sob o céu constelado em busca de um único gesto que os salvasse. As mãos, até então recolhidas, deslizaram. Pétala de delicada textura, a pele cedeu aos afagos. E o vazio ao lado se dissipou. 


M.Cendón 


foto: Marga Cendón 

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