quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Entre mil outros


Naquele dia, algo diferente moveu-se na contraluz do fim da tarde, hora em que os fantasmas, misteriosamente, tomavam conta da varanda. Não era a brisa de maio sacudindo os eucaliptos que margeavam o caminho, nem sonho, miragem ou fruto do delírio de proximidade que há muito lhe roubara o sono. Apurou a vista em direção ao vulto e de longe reconheceu o passo. Cansada das lições de espera impostas pelo silêncio, correu ao seu encontro. Cerrou as pálpebras e, como cega, tocou-lhe a face com a palma das lembranças. A barba por fazer e os sulcos que o tempo havia desenhado não confundiram as pontas dos seus dedos. Ela o reconheceria, entre mil outros, ainda que mil anos os tivessem separado.


M.Cendón 

foto: Marga Cendón 

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