Forcei
a maçaneta enferrujada e o corredor estendeu-se à minha frente, com suas portas
entreabertas. Passei os olhos pelos cômodos. Das frestas nas janelas, a luz da
tarde revelava sobrepostas camadas de tinta no descascado das paredes; colchas de
retalhos desbotadas, bonecas de louça em cadeiras de palha, jarros sem água, vasos
sem plantas. Há muito eu tinha partido e os que ficaram, viviam agora do outro
lado, reclusos em sépia nos porta-retratos do aparador da sala. Seus semblantes,
mudos convites ao desenterro.
Vieram-me
então os aromas, os gostos, as vozes, as faces. Lá fora, o branco dos lençóis ainda
balançava em varais enfileirados, esconderijo de cantigas e suas rodas, sob o
azul que esquecera de entardecer. Tudo à minha espera... A casa repleta, as
conversas paralelas em torno da mesa, a leveza do silêncio na hora da sesta. Um tempo em que dizer-se feliz era dispensável.
E não o ser, impossível.
O
eco de meus próprios passos nas tábuas corridas do assoalho trouxe-me de volta
aos escombros. Os anos de afastamento me haviam modificado e o passado, agora,
resumia-se a uma cena em preto e branco cheirando a mofo, umidade, abandono.
Não, eu não queria a mobília, as cortinas, os cristais. Nada além das
lembranças que já estavam comigo.
Dei
meia-volta, bati a porta e entreguei a chave ao corretor.
M.Cendón
foto: Marga Cendón |
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