O
vermelho-alaranjado na paisagem sinalizava o final daquele domingo. Afundado na
poltrona, sentia-se tomado de uma espécie de tristeza mais aguda que de
costume. O dia havia sido difícil. O almoço, enfadonho como sempre: conversas
que iam de obras de engenharia até proezas sem graça de filhos adolescentes,
passando por pias entupidas, diarreias, dor de ouvido e outros problemas
domésticos. Os cunhados e suas esposas perfeitas, os sogros e sua nova casa de
praia...
Ele
não era engenheiro, não tinha filhos, não ia à praia, tampouco via sentido nas
estrondosas risadas após as piadas sem pé nem cabeça contadas à mesa. Nenhuma
afinidade os ligava. Tinha pavor daquelas reuniões familiares e da suposta
normalidade que ostentavam. Só pensava em ir para casa.
Ao
seu lado, distraída, Maria Lúcia folheava um jornal. Olhou-a de canto sem que
ela notasse. A sobrancelha direita levemente erguida, concentrada na leitura; a
pele clara, os lábios finos, o cabelo um tanto mais curto que antes. Apesar de
passados vinte e oito anos e já não ter a mesma exuberância da jovem com quem
se casara, ela continuava bonita. Há quanto tempo não a olhava assim? Mas se
perguntassem, naquele instante, o que sentia agora por ela, ele não encontraria
palavras que se encaixassem. De uns tempos para cá, vinha se fazendo a mesma
pergunta. Talvez não houvesse resposta. Ou, quem sabe, a palavra que por si só
definisse a mistura de refúgio, alívio e tédio, ainda não tivesse sido
inventada.
De
repente, Maria Lúcia ergueu os olhos e sorriu. Ele retribuiu. Tomou então a mão
dela entre as suas e descansou a cabeça em seu ombro. Aos poucos, a tristeza
que o perturbava no fim daquela tarde, deu lugar à mansidão. E recostado nela,
viu as ruas passarem apressadas pela janela e as estações do subúrbio ficarem
para trás. Logo estariam em casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.