“Essa é das brabas”, resmungava a tia solteirona. “É São
Pedro arrastando cadeiras”. Iniciavam então os rituais: espelhos cobertos com
toalhas, cruz de sal, nacos de sabão no telhado. E para Santa Bárbara, velas e
rezas fervorosas. “Tomara passe logo e não faça muito estrago”.
As nuvens apagavam a tarde e o céu parecia uma imensa chapa
sobre o quintal. Impossível andar lá
fora. Pelo desenho dos dedos na vidraça embaçada, espiava o balanço girando
sozinho. “É o vento brincando no cinamomo”. Mas o bolinho de chuva e o café
coado na hora, compensavam o confinamento.
À volta da mesa, as mulheres falavam ao mesmo tempo. Cheiro
de revista nova sendo folheada e passada de mão em mão. Em sua poltrona, o avô
cochilava e, vez ou outra, despertava em sobressaltos pela algazarra. Ao lado,
o gato lhe fazia companhia. Abria um olho, esticava uma pata e voltava a
encolher-se.
Depois do temporal, galhos e folhas mortas amontoados em
torno da casa, eram varridos com piaçava. O sol ressurgia. E a vida tomava seu
rumo como se nada tivesse acontecido.
Os pingos espaçados na calha da varanda dissipam suas
memórias. Olha para o sul. A linha rosa no horizonte é sinal de que o tempo
firmou. Abre janelas, descobre espelhos, recolhe o sal. Deixa as velas
queimando ao pé da santinha.
Antes de limpar as calçadas, espicha os olhos pela casa. No
silêncio da sala, o gato faz companhia ao vazio.
M.Cendón
foto: Marga Cendón |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.