Um
pássaro de isopor tremulava preso a um fio de nylon no teto da varanda. Sobre o
muro, uma flor de plástico num vaso de barro. Os adornos tinham sido colocados
ali por Isolda, a diarista de confiança a quem ele dera certas liberdades.
“Esta casa precisa de vida, seu Aroldo”.
Aroldo
deteve-se ao movimento circular do falso pássaro, depois desviou para o objeto
imóvel em formato de rosa que sequer poderia ser colhido, mesmo em face do
maior enlevo. Só Isolda, com sua visão curta, enxergava vida naquelas
inutilidades.
Debruçou-se
no parapeito do terraço, acendeu um cigarro e contemplou a cidade. O traçado
disforme das ruas lembrava o tapete persa que dera à Isabel nos dez anos de
casados. E foi por uma delas que andou até a praia, ao lado de Consuelo.
Olharam vitrines, compraram bobagens, voltaram satisfeitos e ela preparou o
jantar. No meio da noite, o perfume dela misturou-se à maresia e o arrancou do
sono. Suado, boca seca, mãos tateando em busca de aconchego no pano ralo da
camisola.
A
voz aguda de Isolda, ao despedir-se, trouxe Aroldo de volta ao terraço. O olhar
para além das luzes já acesas na Avenida Pernambuco, a brasa do cigarro a
queimar os dedos, um gosto estranho, uma sede insuportável. Ainda podia sentir
Consuelo por perto, embora mal a conhecesse e jamais a tivesse tocado. Seus
olhos tristes sorriam para ele feito promessa. E naquele espaço de poucos
metros, viu o falso pássaro e a flor de plástico repartirem com Isabel o vento
de outono.
Sim.
Era preciso um sopro de vida na casa.
M.Cendón
M.Cendón
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