Todo dia, quando descia do
ônibus, ele a observava de longe. Ela
atrás do balcão, lenço no cabelo, boca pintada, mãos cobertas de anéis e
pulseiras e o sorriso de orelha a orelha que não saía da cara. Nem parecia a
mesma. Com ar de proprietária, dava ordens às atendentes e depois voltava a
folhear uma revista, esquecida de tudo que tinham vivido. Era uma Ingrata! Como
podia tê-lo trocado pelo turco do armarinho? Logo ele que em todos aqueles anos
a cobrira de dengos e trabalhara duro pra manter seus luxos. Contava os
trocados para flores em datas especiais, economizava no cigarro para leva-la ao
cinema, bancava jantar no bar do Bolão uma vez por semana, com direito a
jarrinha de vinho e taças de vidro, tudo conforme ela gostava. Voltava a pé do
trabalho para trazer “diamante negro” com o dinheiro da passagem. Lavava
panelas, limpava banheiro, dava de comer aos gatos e depois a amava como a uma
rainha. E nada era o bastante.
Emerenciana sempre queria mais.
Quando ela se foi a casa restou
vazia e a vida perdeu o sentido. Nem os gatos ficaram. Decidiu então que queria
morrer. Pensou em se enforcar, enfiar uma faca no peito, se jogar na frente de
um trem, mas desistiu. Como suportaria o sofrimento se algo saísse errado? Tinha
que ser um tiro certeiro. Mas de onde tirar uma arma? Se pedisse a alguém,
desconfiariam e logo viria a turma do “deixa-disso”. Roubar, não tinha coragem.
Deitado sozinho na bagunça da cama tentava achar solução. Estava difícil até
para morrer. Estendeu a mão, acariciou o vazio no travesseiro dela e limpando
uma lágrima resmungou: “amanhã sem falta eu subo o morro, Emerenciana... Lá, se
não vier bala de um lado, é certo que vem do outro”.
M.Cendón
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